quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Bula Cum ex Apostolatus Officio

PAPA PAULO IV (Ano 1559)

SOBRE AS AUTORIDADES HERÉTICAS

Exórdio – O Papa tem o dever de impedir o magistério do erro.

Dado que nosso ofício apostólico, divinamente Nos confiado ainda que sem mérito algum de nossa parte, compete-nos um cuidado sem limite do rebanho do Senhor, e que por conseqüência, à maneira do Pastor que vela, em benefício da fiel custódia de sua grei e da sua saudável condução, estamos obrigados a uma assídua vigilância e a procurar com particular atenção que sejam excluídos do rebanho de Cristo aqueles que nestes tempos, já seja pelo predomínio de seus pecados ou por confiar com excessiva licença em sua própria capacidade, se levantam contra a disciplina da verdadeira Fé de um modo realmente perverso, e transtornam com recursos maléficos e totalmente inadequados a inteligência das Sagradas Escrituras, com o propósito de ofender a unidade da Igreja Católica e a túnica inconsultável do Senhor, e para que não prossigam com o ensinamento do erro, os que desprezam ser discípulos da Verdade.

I. Quanto mais se está desviado da Fé. Mais grave é o perigo

Considerando a gravidade particular desta situação e seus perigos ao ponto que o mesmo Romano Pontífice, que como Vigário de Deus e de Nosso Senhor tem o pleno poder na terra, e a todos julga e não pode ser julgado por ninguém, se fosse encontrado desviado da Fé, poderia ser acusado, e dado que donde surge um perigo maior, ali deve ser mais decidida à providência para impedir que falsos profetas e outros personagens que retenham jurisdições seculares não prendam lamentáveis laços às almas simples e arrastem consigo até a perdição inumeráveis povos confiados a seu cuidado e a seu governo nas coisas espirituais ou nas temporais; e para que não aconteça algum dia que vejamos no Lugar Santo a abominação da desolação, predita pelo profeta Daniel; com a ajuda de Deus para Nosso empenho pastoral, não seja que pareçamos cães mudos, nem mercenários, ou perversos e maus viticultores, desejamos capturar as raposas que tentam desolar a Vinha do Senhor e rechaçar os lobos distantes do rebanho.

2. Confirmação de toda providência anterior contra todos os desviados.

Depois de madura deliberação com os Cardeais da Santa Igreja Romana, irmãos nossos, com o conselho e o unânime assentimento de todos eles, com Nossa Autoridade Apostólica, aprovamos e renovamos todas e cada uma das sentenças, censuras e castigos de excomunhão, suspensão, interdição e privação, ou outras, de qualquer modo adaptadas e promulgadas contra os hereges e cismáticos, pelos Pontífices Romanos, nossos Predecessores, ou em nome deles, incluso as disposições informais, ou dos Sagrados Concílios admitidos pela Igreja, ou decretos e estatutos dos Santos Padres, ou Cânones Sagrados, ou por Constituições e Resoluções Apostólicas. E queremos e decretamos que destas sentenças, censuras e castigos, sejam observadas perpetuamente e sejam restituidas a sua prístina vigência se estiveram em desuso, e devem permanecer com todo seu vigor. E queremos e decretamos que todos aqueles que até agora houvessem sido encontrados, ou houvessem confessado, ou fossem convictos de ter-se desviado da Fé Católica, ou de haver incorrido em alguma heresia ou cisma, ou de tê-los suscitado ou cometido; ou bem os que no futuro se apartaram da fé (o que Deus se digne impedir segundo sua clemência e sua bondade para com todos), ou incorrerem em heresia, ou cisma, ou os suscitarem ou cometerem; ou bem os que houverem de ser surpreendidos de haver caído, incorrido, suscitado ou cometido, ou o confessem, ou o admitam, de qualquer grado, condição e preeminência, incluso os bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primados, ou de qualquer autoridade ou dignidade qualquer, outra dignidade eclesiástica superior; ou bem Cardeais, ou Legados perpétuos ou temporais da Sé Apostólica, com qualquer destino; ou os que sobressaltam por qualquer autoridade ou dignidade temporal, de conde, barão, marquês, duque, rei, imperador, enfim queremos e decretamos que qualquer um deles incorra nas ante ditas sentenças, censuras e castigos.

3. Privação ipso facto de todo ofício eclesiástico por heresia ou cisma.

Considerando que os que não se abstém de obrar mal, por amor da virtude devem ser reprimidos por temor dos castigos, e que os bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primados, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; ou bem Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que devem ensinar aos demais e servir-lhes de bom exemplo, a fim de que perseverem na Fé Católica, com sua prevaricação pecam mais gravemente que os outros, pois que não só se perdem, senão que também arrastam consigo até a perdição os povos que lhes foram confiados; pela mesma deliberação e assentimento dos Cardeais, com esta Nossa Constituição, válida perpetuamente, contra tão grande crime - que não pode haver outro maior nem mais pernicioso na Igreja de Deus - na plenitude de Nossa Autoridade Apostólica, sancionamos, estabelecemos, decretamos e definimos, que pelas sentenças, censuras e castigos mencionados (que permanecem no seu vigor e eficácia e que produzem seu efeito), todos e cada um dos ou Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primados, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior; ou bem Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que até agora (tal como se aclara precedentemente) houvessem sido surpreendidos, ou houvessem confessado, ou fosse convictos de haver-se desviado (da Fé Católica), ou de haver caído em heresia, ou de haver incorrido em cisma, ou de havê-los suscitado ou cometido; ou também os que no futuro se apartarem da Fé Católica, ou caírem em heresia, ou incorrerem em cisma, ou os provocarem, ou os cometerem, ou os que houvessem de ser surpreendidos ou confessaram ou admitirem haver-se desviado da Fé Católica, ou haver caído em heresia, ou haver incorrido em cisma, ou havê-los provocado ou cometido, dado que nisto resultam muito mais culpados que os demais, fora das sentenças, censuras e castigos, enumerados, (que permanecem em seu vigor e eficácia e que produzem seus efeitos), todos e cada um dos Bispos, Arcebispos, Patriarcas, Primados, ou de qualquer outra dignidade eclesiástica superior ; ou bem Cardeais, Legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, ficarão privados também por esta mesma causa, sem necessidade de nenhuma instrução de direito ou de feito, de suas hierarquias, e de suas igrejas catedrais, incluso metropolitanas, patriarcais e primados; do título de Cardeal, e da dignidade de qualquer classe de Legação, e ademais de toda voz ativa e passiva, de toda autoridade, dos monastérios, benefícios e funções eclesiásticas, com qualquer Ordem que for, que haviam obtido por qualquer concessão e isenção Apostólica, já seja como titulares, ou como encarregados ou administradores, e nas quais, seja diretamente ou de alguma outra maneira houveram tido algum direito, ou as houvessem adquirido de qualquer outro modo; ficarão assim mesmo privados de qualquer benefício, renda ou produção, reservados ou destinados a eles. E do mesmo modo serão privados completamente, e em cada caso, de seus condados, baronias, marquesado, ducado, reino e império, e na forma perpétua, e de modo absoluto. E por outro lado sendo de tudo contrários e incapacitados para tais funções, serão tidos ademais como relapsos e exonerados em tudo e para tudo, incluso se antes houvessem abjurado publicamente em juízo tais heresias. E não poderão ser restituídos, repostos, reintegrados ou reabilitados, em nenhum momento, à prístina dignidade que tiveram, às suas Igrejas Catedrais, metropolitanas, patriarcais, primados; ao cardinalato, ou a qualquer outra dignidade, maior ou menor, ou a sua voz ativa ou passiva, a sua autoridade, monastério, beneficio, ou condado, baronia, marquesado, ducado, reino ou império, antes bem haverão de ficar ao arbítrio daquele poder que tenha a devida intenção de castigar-lhes, ao menos que tendo em conta neles aqueles sinais de verdadeiro arrependimento e aqueles frutos de uma congruente penitência, por benignidade da mesma Sede Apostólica ou por clemência haverem de ser relegados em algum monastério, ou em algum outro lugar dotado de um caráter disciplinário para fazer ali perpétua penitência com o pão da dor e a água da compunção. E assim serão tidos por todos, de qualquer dignidade, grau, ordem, ou condição que seja, e incluso, arcebispo, patriarca, primado, cardeal, ou de qualquer autoridade temporal, conde, barão, marquês, duque, rei ou imperador, ou de qualquer outra hierarquia, e assim serão tratados e estimados, e ademais evitados como relapsos e exonerados, de tal modo que hão de estar excluídos de todo consolo humanitário.

4. Pronta solução das vacâncias dos ofícios eclesiásticos.

Aqueles que pretendem ter um direito de patronato, ou de nomear pessoas idôneas para as Sedes Eclesiásticas vacantes por estarem vazias, a fim de que tais cargos, depois de haver sido livrados da servidão dos heréticos, não estão expostos aos inconvenientes de uma longa vacância mas sejam outorgados a pessoas capazes de dirigir os povos pelas vias da justiça, estão obrigados a apresentar ao Romano Pontífice os nomes de tais pessoas idôneas, dentro do tempo fixado por direito, de outra maneira, transcorrido o tempo previsto, a disponibilidade de tais Sedes retorna ao Pontífice Romano.

5. Excomunhão ipso facto para os que favoreçam a hereges ou cismáticos.

Incorrem em excomunhão ipso facto todos os que conscientemente ousem acolher, defender ou favorecer aos desviados ou lhes der crédito, ou divulguem suas doutrinas; sejam considerados infames, e não sejam admitidos a funções públicas ou privadas, nem nos Conselhos ou Sínodos, nem nos Concílios Gerais ou Provinciais, nem no Conclave de Cardeais, ou em qualquer reunião de fiéis ou em qualquer outra eleição. Serão também instáveis e não poderão participar de nenhuma sucessão hereditária, e ninguém estará ademais obrigado a responder-lhes acerca de nenhum assunto. Se tivesse algum a condição de juiz, suas sentenças carecerão de toda validez, e não se poderá submeter a nenhuma outra causa a sua audiência; ou se fora advogado, seu patrocínio será tido por nulo, e se fosse escrivão seus papéis carecerão por completo de eficácia e vigor. Ademais os clérigos serão privados também pela mesma razão, de todas e cada uma de suas igrejas, incluso catedrais, metropolitas, patriarcados e primados; de suas dignidades, monastérios, benefícios e ofícios eclesiásticos, incluso como já foi dito, qualquer que seja o grau e o modo de sua obtenção. Tanto Clérigos como leigos, incluso os que obtiveram normalmente e que estiverem investidos das dignidades mencionadas, serão privados sem mais trâmite de seus reinos, ducados, domínios, feudos e de todos os bens temporais que possuíram, Seus reinos, ducados, domínios, feudos e bens serão propriedade pública, e como bens públicos haverão de produzir um efeito de direito em propriedade daqueles que os ocupem pela primeira vez, sempre que estes estiverem debaixo de nossa obediência, Ou de nossos sucessores os Romanos Pontífices, eleitos canonicamente), na sinceridade da Fé e em união com a Santa Igreja Romana.

6. Nulidade de todas as promoções ou elevações dos desviados na Fé.

Agregamos que se em algum tempo acontecesse que um Bispo, incluso na função de Arcebispo, ou de Patriarca, ou Primado; ou um Cardeal, incluso na função de Legado, ou eleito Pontífice Romano que antes de sua promoção ao Cardinalato ou assunção ao Pontificado, se houvesse desviado da Fé Católica, ou houvesse caído em heresia, ou incorrido em cisma, ou o houvesse suscitado ou cometido, a promoção ou a assunção, incluso se esta houvera ocorrido com o acordo unânime de todos os Cardeais, é nula, inválida e sem nenhum efeito; e de nenhum modo pode considerar-se que tal assunção tenha adquirido validez, por aceitação do cargo e por sua consagração, ou pela subseqüente possessão ou quase possessão de governo e administração, ou pela mesma entronização ou adoração do Pontífice Romano, ou pela obediência que todos lhe haviam prestado, qualquer seja o tempo transcorrido depois dos supostos ante ditos. Tal assunção não será tida por legítima em nenhuma de suas partes, e não será possível considerar que se há outorgado ou se outorga alguma faculdade de administrar nas coisas temporais ou espirituais aos que são promovidos, em tais circunstâncias, à dignidade de bispo, arcebispo, patriarca ou primado, ou aos que tem assumido a função de Cardeais, ou de Pontífice Romano, senão que pelo contrário todos e cada um dos pronunciamentos, feitos, atos e resoluções e seus conseqüentes efeitos carecem de força, e não outorgam nenhuma validez, e nenhum direito a ninguém.

7. Os fiéis não devem obedecer senão evitar aos desviados na Fé.

E em conseqüência, os que assim houvessem sido promovidos e houvessem assumido suas funções, por essa mesma razão e sem necessidade de haver nenhuma declaração ulterior, estão privados de toda dignidade, lugar, honra, título, autoridade, função e poder; e seja-lhes lícito em conseqüência a todas e cada uma das pessoas subordinadas aos assim promovidos e assumidos, se não se houvessem apartado antes da Fé, nem houvessem sido heréticos, nem houvessem incorrido em cisma, ou os houvessem suscitado ou cometido, tanto aos clérigos seculares e regulares, o mesmo que aos leigos; e aos Cardeais, incluso aos que houvessem participado na eleição desse Pontífice Romano, que com anterioridade se apartou da Fé, e era ou herético ou cismático, ou que houvera consentido com ele outros pormenores e lhe houvessem prestado obediência, e se houvessem ajoelhado ante ele; aos chefes, prefeitos, capitães, oficiais, incluso de nossa materna Urbe e de todo o Estado Pontifício; assim mesmo aos que por acatamento ou juramento, ou por precaução se houvessem obrigado e comprometido com os que nestas condições foram promovidos ou assumiram suas funções, (seja-lhes lícito) subtrair-se em qualquer momento e impunemente da obediência e devoção daqueles que foram assim promovidos ou entraram em funções, e evitar-lhes como se fossem feiticeiros, pagãos, publicanos ou heresiarcas, o que não obsta que estas mesmas pessoas tenham de prestar sem embargo estrita fidelidade e obediência os futuros bispos, arcebispos, patriarcas, primados, cardeais ou ao Romano Pontífice, canonicamente eleito. E ademais para maior confusão destes mesmos assim promovidos e assumidos, se pretenderem prolongar seu governo e administração, contra os mesmos assim promovidos e assumidos (seja-lhes lícito) requerer o auxílio do braço secular, e não por isso os que se subtraem desse modo à fidelidade e obediência para com os promovidos e titulares, já ditos, estarão submetidos ao rigor de algum castigo ou censura, como se o exigem pelo contrário aos que cortam a túnica do Senhor.

8. Validez dos documentos antigos e derrogação somente dos contrários.

Não tenham nenhum efeito para estas disposições as Constituições e Ordens Apostólicas, assim como os privilégios e documentos apostólicos, dirigidas a bispos, arcebispos, patriarcas, primados e cardeais, nem qualquer outra resolução, de qualquer teor e forma, e com qualquer cláusula, nem os decretos, também os de motu proprio e de ciência certa do Romano Pontífice, ou concedidos em razão da plenitude do poder apostólico, ou promulgados em consistórios, ou de qualquer outra maneira; nem tampouco os aprovados em reiteradas ocasiões, ou renovados e incluídos num corpo de direito, ou como capítulos de conclave, ou confirmados por juramento, ou por confirmação apostólica, ou por qualquer outro modo de confirmação, incluso os jurados por Nós mesmos. Considerando, pois essas resoluções de modo expresso e as tendo como introduzidas, palavra por palavra, incluso aquelas que houveram de perdurar por outras disposições, e enfim todas ademais que se oponham, por esta vez e de um modo absolutamente especial, derrogamos expressamente suas cláusulas dispositivas.

9. Decreto de publicação solene

A fim de que cheguem notícias certas das presentes letras àqueles que interessam, queremos que elas, ou uma cópia (autenticada por um cartório público, com o selo de alguma pessoa dotada de dignidade eclesiástica) sejam publicadas e fixadas na Basílica do Príncipe dos Apóstolos, e nas portas da Chancelaria apostólica, e no extremo da Plaza de Flora por alguns de nossos oficiais; e que é suficiente a ordem de fixar nestes locais a cópia mencionada, e que a dita fixação ou publicação, ou a ordem de exibir a cópia ante dita, deve ser tida com caráter de solene e legítima, e que não se requer nem se deve esperar outra publicação.

10. Ilicitude das ações contrárias e sanção divina.

Pelo tanto, a nenhum homem seja lícito infringir esta página de Nossa Aprovação, Inovação, Sanção, Estatuto, Derrogação, Vontades, Decretos, ou por temerária ousadia, contradizê-los. Mas se alguém pretendesse intentá-lo, saiba que haverá de incorrer na indignação do Deus Onipotente e na de seus santos Apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano da Encarnação do Senhor 1559, XVº anterior as calendas de Março, ano 4º de nosso Pontificado (15 de fevereiro de 1559).

A suma caridade católica


Segundo Dom Felix Sardá y Salvany em "El Liberalismo es pecado", obra da qual disse a Sagrada Congregação do Index, em carta de seu Secretário datada de 10 de setembro de 1887: nela "nada se achou contra a sã doutrina; antes, seu autor merece louvor, porque com argumentos sólidos (...) propõe e defende a sã doutrina na matéria de que trata".

"A suma intransigência católica não é senão suma caridade católica. Suma caridade em relação ao próximo, quando para seu próprio bem o confunde, envergonha, ofende e castiga. Suma caridade em relação ao bem alheio, quando, para livrar o próximo do contágio de um erro, desmascara seus autores e fautores, chama-os por seus verdadeiros nomes de maus e perversos, fá-los aborrecer e desprezar como aborrecidos e desprezados devem ser, denuncia-os à execração comum e, se possível, ao elo da força social encarregada de reprimi-los e puni-los. Suma caridade, finalmente, em relação a Deus, quando para Sua glória e serviço se faz necessário prescindir de todas as considerações, passar por cima de todos os limites, afrontar todo respeito humano, ferir todos os interesses, expor a própria vida e todas as vidas que seja preciso expor para tão alto fim"
(SALVANY, Dom Felix Sardá y. El Liberalismo es pecado. Edição E. P. C., S. A.: Madrid, 1936, cap. XXI, p. 85).
A suma caridade católica
(Segundo Dom Felix Sardá y Salvany em "El Liberalismo es pecado", obra da qual disse a Sagrada Congregação do Index, em carta de seu Secretário datada de 10 de setembro de 1887: nela "nada se achou contra a sã doutrina; antes, seu autor merece louvor, porque com argumentos sólidos (...) propõe e defende a sã doutrina na matéria de que trata".)
"A suma intransigência católica não é senão suma caridade católica. Suma caridade em relação ao próximo, quando para seu próprio bem o confunde, envergonha, ofende e castiga. Suma caridade em relação ao bem alheio, quando, para livrar o próximo do contágio de um erro, desmascara seus autores e fautores, chama-os por seus verdadeiros nomes de maus e perversos, fá-los aborrecer e desprezar como aborrecidos e desprezados devem ser, denuncia-os à execração comum e, se possível, ao elo da força social encarregada de reprimi-los e puni-los. Suma caridade, finalmente, em relação a Deus, quando para Sua glória e serviço se faz necessário prescindir de todas as considerações, passar por cima de todos os limites, afrontar todo respeito humano, ferir todos os interesses, expor a própria vida e todas as vidas que seja preciso expor para tão alto fim".

(SALVANY, Dom Felix Sardá y. El Liberalismo es pecado. Edição E. P. C., S. A.: Madrid, 1936, cap. XXI, p. 85).

São Roberto Bellarmino em De Romano Pontifice (livro II, capítulo 30):

São Roberto Bellarmino em De Romano Pontifice (livro II, capítulo 30):
“(...) o Papa herege manifesto deixa por si mesmo de ser Papa e cabeça, do mesmo modo que deixa por si mesmo de ser cristão e membro do corpo da Igreja; e por isso pode ser julgado e punido pela Igreja. Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda jurisdição, e nomeadamente de São Cipriano (lib. 4, epist. 2), o qual assim se refere a Novaciano, que foi Papa (antipapa) no cisma havido durante o Pontificado de São Cornélio: “Não poderia conservar o Episcopado, e, se foi anteriormente feito Bispo, afastou-se do corpo dos que como ele eram Bispos e da unidade da Igreja”. Segundo afirma São Cipriano nessa passagem, ainda que Novaciano houvesse sido verdadeiro e legítimo Papa, teria contudo decaído automaticamente do Pontificado caso se separasse da Igreja. ESTA É A SENTENÇA DOS GRANDES DOUTORES RECENTES, como João Driedo (lib. 4 de Script. Et dogmat. Eccles. cap. 2, par. 2, sent. 2), o qual ensina que só se separam da Igreja os que são expulsos, como os excomungados, e os que por si próprios dela se afastam e a ela se opõem, como os hereges e os cismáticos. E, na sua sétima afirmação, sustenta que naqueles que se afastaram da Igreja, NÃO RESTA ABSOLUTAMENTE NENHUM PODER EXPIRITUAL sobre os que estão na Igreja. O mesmo diz Melchior Cano (lib. 4 de loc., cap. 2), ensinando que os hereges não são partes nem membros da Igreja, e que não se pode sequer conceber que alguém seja cabeça e Papa, sem ser membro e parte (cap. ult. ad argument. 12). E ensina no mesmo local, com palavras claras, que os hereges ocultos ainda são da Igreja, são partes e membros, e que portanto o Papa herege oculto ainda é Papa. Essa é também a sentença dos demais autores que citamos no livro 1 “De Eccles.”.O fundamento desta sentença é que o HEREGE MANIFESTO não é de modo algum membro da Igreja, isto é, nem espiritualmente nem corporalmente, o que significa que não o é nem por união interna nem por união externa. Pois mesmo os maus católicos estão unidos e são membros, espiritualmente pela fé, corporalmente pela confissão da fé e pela participação nos sacramentos visíveis; os hereges ocultos estão unidos e são membros, embora apenas por união externa; pelo contrário, os catecúmenos bons pertencem à Igreja apenas por uma união interna, não pela externa; MAS OS HEREGES MANIFESTOS NÃO PERTENCEM DE MODO NENHUM, COMO JÁ PROVAMOS”.

Segunda-feira, 15 de Dezembro de 2008

O DIREITO DE JULGAR A HERESIA


OS INDIVÍDUOS PRIVADOS PODEM RECONHECER ALGUÉM COMO HEREGE ANTES DO JULGAMENTO DIRETO DA IGREJA?

"Qual seria o propósito da regra da fé e da moral se em todos os casos particulares o simples leigo não as pudesse aplicar diretamente por conta própria?" (Don Felix de Sarda y Salvany: O Liberalismo É Pecado, Cap. xxxviii).

Tese: Sim, os indivíduos privados podem reconhecer alguém como herege antes do julgamento direto da Igreja, em certas condições, a saber:

1. A doutrina falsa precisa estar em oposição manifesta e direta a uma verdade que deve certamente ser crida com fé divina e católica.

2. É preciso que seja moralmente certo que o acusado esteja ciente do conflito entre sua opinião e o ensinamento da Igreja Católica.

3. O indivíduo privado pode "julgar" que alguém é um herege no sentido de reconhecer um fato -- que é o significado epistemológico da palavra "julgar" -- e não no sentido jurídico de pronunciar uma sentença definitiva. Donde se segue que tais julgamentos podem obrigar somente a consciência da pessoa que os forma, com plena ciência dos fatos, e a ninguém mais.

4. É obrigatório inclinar-se, por caridade, o mais possível dentro do razoável, em prol de um suspeito, e a chegar à conclusão de que alguém é herege somente como último recurso.

Escolhos a evitar:

1. Dar o nome de "heresia" a um erro que é oposto a uma doutrina ensinada pela Igreja, mas não como tendo de ser crida com fé divina e católica, ou que não pertence certamente a essa categoria.

2. Dar o nome de "heresia" a um erro que é oposto a uma doutrina a ser crida com fé divina e católica, quando a oposição não é direta e manifesta mas depende de vários passos de raciocínio: nesses casos a qualificação de "heresia" não é aplicável antes de um julgamento definitivo da Igreja.

3. Acusar de cisma ou heresia aqueles que, embora não abracem a heresia em questão, recusam-se a aceitar que ela seja de fato herética ou a considerar os devotos dela como hereges antes do julgamento formal da Igreja.

4. Afirmar que a pertinácia está presente quando se poderia supor razoavelmente outras explicações.

Objeções:

1. "Uma proposição herética que é direta e claramente oposta a uma doutrina que deve ser crida com fé divina e católica: o indivíduo privado pode julgar se isso é ou não assim num caso particular. Mas o ato de heresia, que faz aquele que o comete ser um herege, exige não somente o assentimento a uma proposição objetivamente herética, mas também culpabilidade moral: a rejeição consciente de uma doutrina católica da parte de alguém que não ignore seu dever de aceitá-la. Esse elemento é chamado de pertinácia. Existe invisivelmente na alma e não pode, portanto, ser objeto do julgamento de um indivíduo privado que só vê o exterior."

Resposta: Assim como com qualquer outro pecado, os cristãos devem se esforçar por não atribuir o pecado de heresia ao seu próximo conquanto outra explicação permaneça possível. Mas a caridade não exige acrobacias mentais para desculpar aquilo que é manifesto. Todavia, a tese aqui defendida não depende da identificação de pertinácia tal como é definida pelos moralistas, mas tal como é definida pelos canonistas: rejeição consciente do dogma por parte de uma pessoa batizada. Isto prescinde da ordem moral, a formação de um juízo que só precisa dizer respeito ao foro externo, mas que não tem conexão com o erro daqueles que "presumem" pertinácia quando alguma outra explicação razoável do dado exterior permanece disponível, como a simples ignorância ou a inadvertência. "A obstinação pode ser presumida quando a verdade revelada foi proposta com clareza e força persuasiva suficientes para convencer um homem razoável" (Dom Charles Augustine: A Commentary on Canon Law [Um Comentário à Lei Canônica], Vol. 8, p. 335. Ver também o estudo do presente autor sobre a distinção entre pertinácia canônica e teológica em Heresy, Schism and their Effects [A Heresia, o Cisma e seus Efeitos] (revisado).)

2. "Um tal julgamento inevitavelmente constitui uma usurpação dos direitos da autoridade eclesiástica."

Resposta: A sentença da autoridade eclesiástica resolve casos duvidosos e obriga todo católico a aderir a ela. Quando os fatos não admitem dúvida, o indivíduo que antecipa o julgamento da autoridade por perceber que um dado indivíduo é claramente um herege não faz injúria a essa autoridade. Mas ele deve, é claro, distinguir entre sua convicção privada e o julgamento oficial, dentre os quais o primeiro só é constringente para sua própria consciência.

Provas da Tese

1. Denzinger 1105: o Papa Alexandre VII condenou a afirmação de que não estamos obrigados a denunciar às autoridades alguém que sabemos com certeza ser um herege se não tivermos prova estrita de que essa pessoa é um herege. Essa condenação implica diretamente que os indivíduos privados podem por vezes saber que alguém é um herege antes que as autoridades da Igreja percebam isso, e mesmo sem ter provas estritas.

2. Santo Afonso de Ligório trata do dever de denunciar hereges mesmo entre os membros da própria família de alguém. Ele declara que esse dever obriga sem exceção, mas somente quando o incréu é verdadeira e formalmente um herege e não apenas suspeito ou errando em boa fé. Essa distinção, apresentada de maneira clara e detalhada, seria perfeitamente ociosa se os indivíduos fossem incapazes de reconhecer hereges antes de as autoridades intervirem. Então, Santo Afonso claramente presume que os indivíduos podem por vezes distinguir entre a suspeita de heresia e a certeza e podem reconhecer a presença ou a ausência da pertinácia (Theologia Moralis, lib. 5, n. 250).

3. O cânone 1325 dá a definição clássica da palavra "herege", retirada de Santo Tomás: "uma pessoa batizada que, embora continuando a se considerar cristã, pertinazmente nega ou duvida de uma verdade que deve ser crida com fé divina e católica." Os canonistas concordam que a pertinácia em questão consiste em saber que a doutrina que se nega (ou de que se duvida) é ensinada pela Igreja como revelada. Nenhuma outra condição, como um julgamento autoritativo, é exigida para tornar alguém um herege.

4. O cânone 2314 declara que todo herege incorre em excomunhão latae sententiae. Algumas outras penalidades incorridas pelos hereges precisam ser infligidas pessoalmente pelas autoridades, e somente depois que um aviso provou-se infrutífero, mas a própria excomunhão é incorrida automaticamente desde o instante mesmo em que a heresia é expressa exteriormente.

5. O cânone 188/4 declara que se um clérico apostatar publicamente da fé católica, todos os seus ofícios tornam-se vagos ipso facto e sem necessidade de declaração oficial. Os canonistas concordam que essa apostasia é verificada pela heresia pública tal como definida no cânone 1325: não há necessidade de se inscrever em qualquer seita em particular, basta rejeitar aquilo que se sabe que a Igreja ensina. Ora, este cânone seria destituído de qualquer sentido ou valor se ninguém pudesse reconhecer a presença da heresia antes de um julgamento oficial. Como poderia um cargo tornar-se vago [vacant (N.doT.)] automaticamente pelo próprio fato da heresia, e sem qualquer declaração, se na realidade um julgamento e declaração formais fossem necessários para saber que alguém é um herege? Qual seria o propósito de nos alertar desse efeito da heresia se ninguém jamais pudesse levá-lo em conta em qualquer caso concreto?

6. O sentido do cânone 188/4 é claríssimo em si mesmo e não requer nenhum comentário para ser entendido, de acordo com o axioma dos canonistas: "clara verba non indigent interpretatione sed executione". Com efeito, os canonistas são unânimes em que ele significa exatamente o que diz: os hereges públicos perdem todos os cargos ipso facto e sem qualquer necessidade de julgamento ou declaração por quem quer que seja. Entretanto, o cânone 188/4 nunca foi objeto de interpretação oficial emanando da Santa Sé. Em contrapartida, ele tem um cânone-irmão -- o cânone 646/1 n. 2, concernente à vida religiosa -- que foi explicado oficialmente e que lança muita luz sobre o cânone 188/4 também e sobre todo esse princípio segundo o qual os indivíduos privados podem reconhecer hereges manifestos independentemente de condenação autoritativa. Isso porque o cânone 646/1 n. 2 declara que qualquer religioso que abandone publicamente a Fé Católica precisa por esse próprio fato ser considerado legitimamente demitido.

O segundo parágrafo do mesmo cânone requer que o fato em questão (heresia pública e conseqüente demissão automática) seja declarado por um superior. Os canonistas concordam que o abandono público da Fé Católica cumprir-se-ia por qualquer caso de heresia pública. Em vista do segundo parágrafo, a Santa Sé foi consultada sobre se a demissão dependia da declaração do superior. A Comissão para a Interpretação do Código respondeu, em 30 de julho de 1934, que negativo. O canonista Jone explica que a declaração do superior não envolve qualquer processo/julgamento e serve simplesmente para tornar conhecidos fatos que já tiveram efeito: a heresia e a demissão que ela produz.

Manifestamente, portanto, o superior e os demais religiosos devem ser capazes de reconhecer o fato da heresia, para tirarem as conclusões práticas que dele decorrem.

7. Um vasto número de teólogos discutiu se um papa pode cair em heresia depois de sua eleição, e, nesse caso, quais seriam as conseqüências disso. A discussão dessa hipótese entre eles também lança luz sobre o efeito da heresia pública, na pendência de um julgamento da Igreja, quando cometida por alguém de escalão inferior. Alguns autores consideraram que um papa herético ainda teria de ser reconhecido como papa pela Igreja -- Caetano, Suarez, João de S. Tomás, Journet e Bouix. Mas o peso da autoridade está massivamente em favor do parecer oposto -- a saber, de que o papa incréu automaticamente cairia de seu cargo, em virtude do próprio fato da heresia pública e de que os fiéis estariam destarte absolvidos de todo dever de obediência para com ele, pois ele não seria mais papa de modo nenhum. O princípio apresentado é de que alguém que não está na Igreja não tem como exercer um cargo nela, é impossível, e particularmente não tem como ser cabeça dela (São Roberto Bellarmino, Santo Afonso de Ligório, Ballerini, Naz, Billot, Sylvius, Melchior Cano, Wernz-Vidal, et al.)

Ora, esse ensinamento teológico seria inútil e, de fato, absurdo se os fiéis fossem incapazes, ao menos por vezes, de reconhecer hereges e de tirar as conseqüências práticas desse seu reconhecimento. O tratamento que dá São Roberto Bellarmino a esse tópico em seu De Romano Pontifice é de valor e peso excepcionais. Ele considera como absolutamente carente de probabilidade teológica a opinião contrária (i.e. de que um papa manifestamente herético -- se Deus permitisse que um tal existisse -- não seria automaticamente destituído de todos os cargos, como o são todos os demais hereges manifestos). E entre as cinco opiniões teológicas reconhecidas que ele elenca concernentes ao caso do papa herético, a idéia de que seria impossível reconhecer um caso desses porque a pertinácia não pode ser conhecida com certeza suficiente nem sequer aparece.

8. Santo Hipácio [Hypathius], um monge da Bitínia do século quinto, insistiu na supressão do nome de Nestório, o patriarca de Constantinopla, dos dípticos sagrados desde o momento em que Nestório começou a pregar sua heresia, a qual negava a unidade de pessoa em Nosso Senhor. O ordinário de Hipácio, o bispo Eulálio (que era um eleitor de Nestório), recusou a heresia de Nestório, mas repreendeu o monge por ter-se retirado da comunhão com o patriarca deles antes de este ter sido condenado por um concílio. Hipácio responde: "Eu não posso inserir o nome dele no Cânon da Missa, pois um heresiarca não é digno do título de pastor na Igreja; fazei de mim o que bem entenderdes; eu estou pronto a sofrer tudo, e nada me levará a mudar meu comportamento" (Petits Bollandistes, 17 de junho).

9. O juízo de Santo Hipácio relativo a Eulálio parece confirmado não somente pela aprovação dos hagiógrafos, como também pelo decreto do Papa São Celestino decidindo que todos os atos de Nestório deveriam ser considerados nulos desde o momento em que ele começou a pregar a heresia... "pois aquele que abandonou a Fé por meio de uma tal pregação não é capaz nem de privar nem de depôr quem quer quer seja" (São Roberto Bellarmino: De Romano Pontifice, Cap. XXX). Os excessos de uma escola de católicos tradicionais pedem um lembrete, todavia, de que Santo Hipácio retirou-se da comunhão somente com Nestório, não com Eulálio também! [O A. refere-se aqui aos sedevacantistas que, exageradamente, negam comunhão não somente com os Ratzinger e Kasper e Wojtyla, como é correto por eles serem hereges, mas também com seus irmãos tradicionalistas que, não sendo sedevacantistas, obviamente rezam "una cum Pontifice nostro Benedicto" no Cânon da Missa; quebra de comunhão esta, por parte daqueles sedevacantistas exagerados, que mostra uma tendência cismática deles, para cuja refutação o A. aduz o belo exemplo de Santo Hipácio. (N.doT.)]

10. Aconteceu diversas vezes de um santo suspeitar de heresia um papa reinante, até mesmo ao ponto de ameaçar retirar-se da obediência a ele se o papa fracassasse em manifestar sua ortodoxia por meio da retirada das bases para a suspeita. São Bruno, Santo Hugo de Grenoble e São Godofredo de Amiens [cf. nomes exatos em português no livro do Arnaldo Xavier da Silveira (N.doT.)] tomaram todos essa atitude frente ao Papa Pascal II. Ademais, embora Santo Ivo de Chartres discordasse de seus três colegas-santos, a discordância não dizia respeito ao princípio de como reagir se "a pessoa posta na cátedra de Pedro ... se desviasse manifestamente da verdade do Evangelho" (Patrologia Latina, tom. 162, col. 240), mas apenas a questão prática de se isso havia acontecido de fato no caso de Pascal.

11. A Sagrada Escritura freqüentemente nos alerta que tomemos cuidado com hereges. Não parece possível entender estes textos como referindo-se exclusivamente àqueles que foram condenados pessoalmente como tais pela Igreja ou que pertencem a seitas que estão notoriamente fora de Sua comunhão.

(a) A mais impressionante é a passagem da Epístola de São Paulo aos Gálatas: "Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie um Evangelho diferente daquele que vos temos anunciado, seja anátema. Como já vo-lo dissemos, agora de novo o digo: se alguém vos anunciar um Evangelho diferente do que recebestes, seja anátema." (1:8,9) São Paulo não simplesmente alerta seus convertidos a rejeitarem as doutrinas novas; ele os instrui a julgar -- com o mais severo de todos os julgamentos -- a pessoa responsável por disseminá-las: anátema, com tudo o que a palavra implica. E, visto que é claramente inapropriado pronunciar anátema contra um católico que erra de boa fé, é evidente que São Paulo acredita que os Gálatas são capazes de distinguir a heresia pertinaz dos erros inocentes na ordem doutrinal.

(b) São Paulo ordena a Tito: "Foge do homem herege, depois da primeira e segunda correção, sabendo que tal homem está pervertido e peca, estando é condenado pelo seu próprio juízo" (3:10,11). Cornelius a Lapide e São Roberto Bellarmino entendem que essa passagem como significando que os avisos são exigidos quando é duvidoso se alguém é ou não é verdadeiramente pertinaz na heresia. No caso de heresia manifesta, nenhum aviso seria necessário. Nosso Código de Direito Canônico retém essa distinção. (Ver J. F. Lane: The Loss of Ecclesiastical Offices: Is Holy Church Unprotected? [A Perda dos Cargos Eclesiásticos: A Santa Igreja Está Desprotegida?], Perth, 1999).

(c) "Guardai-vos dos falsos profetas, que vêem a vós com vestes de ovelhas mas por dentro são lobos rapazes." (Mateus 7:15) Tal é o aviso solene de Nosso Senhor Jesus Cristo acerca daqueles hereges que disfarçam seus erros pretendendo ser católicos fiéis. Alguns dos apologistas de Karol Wojtyla [e a fortiori de Joseph Ratzinger! (N.doT.)] parecem ter a impressão de que os católicos precisam tomar muito cuidado para evitarem rejeitar acidentalmente uma ovelha inocente que teve a infelicidade de estar vestida em pele de lobo, mas Nosso Senhor declara o oposto: Ele nos alerta a tomarmos cuidado até mesmo com hereges disfarçados (explicação de Cornelius a Lapide, ad locum), o que não seria possível se fôssemos incapazes de penetrar além do disfarce deles ("vestes de ovelha") para reconhecer sua rejeição obstinada à fé da Igreja, a despeito de seus enganadores protestos de ortodoxia.

12. O Cardeal De Lugo, considerado por Santo Afonso como o maior teólogo desde Santo Tomás, dedicou o estudo mais detalhado de que estamos cientes à questão da pertinácia exigida para tornar alguém um herege. Ele discute se um aviso é necessário para estabelecer que alguém é um herege e conclui, após considerar a opinião de todos os teólogos e canonistas notáveis, que tais avisos nem sempre são necessários -- nem tampouco são sempre exigidos na prática pelo Santo Ofício. A razão para isso é que o aviso serve apenas para estabelecer que o indivíduo está ciente da oposição que existe entre a opinião dele e o ensinamento da Igreja. Se tal oposição já fosse evidente, o aviso seria supérfluo (Disputationes Scholasticae et Morales, Disp. XX, De Virtute Fidei Divinae, Sectio vi, n. 174 et seq.)

13. A bula do Papa Paulo IV Cum Ex Apostolatus (15 de fevereiro de 1559, Bullarium Romanum vol. iv. sect. i, pp. 354-357) – Conferir no link:
http://cumexapostolatusofficio.blogspot.com/2008/08/bula-cum-ex-apostolatus-officio-papa_09.html faz provisões para que se algum dia os cardeais elegerem como papa alguém que já foi culpado de heresia, a eleição seria simplesmente nula e os fiéis teriam todo o direito de se retirar da obediência à pessoa eleita, pois ela não seria deles a cabeça. Os historiadores informam-nos que essa bula, na mente do Papa Paulo IV, visava particularmente excluir a possibilidade de que após sua morte o conclave elegesse o cardeal Morone, que se acreditava amplamente ser um herege, mas que nunca fora condenado pela Igreja. Donde a bula admitir claramente que os fiéis num caso desses (de qualquer escalão) podiam reconhecer a presença da heresia e retirar-se da obediência ao "papa" destarte infectado, sem esperar por um julgamento oficial.


J. S. Daly
In Festo Sanctarum Perpetuae et Felicitatis 2000
Le Bouchillou
24410 Servanches
France
E-mail: john.daly@easynet.fr

[Tradução brasileira, a partir do texto inglês contido em "http://strobertbellarmine.net/judgeheresy.html":
F. A. Coelho
Na Festa de São Gregório Nazianzeno, 2008
E-mail: f.a.coelho@gmail.com]